Posted on julho 2, 2023
Glass ceiling: um teto de vidro todo nosso
Tem momentos na nossa vida profissional em que, digamos, “paramos para balanço”. Começamos a olhar para onde nos encontramos, qual é o caminho que temos trilhado até agora e nos questionamos se queremos continuar seguindo por ali. Às vezes decidimos mudar completamente de trilha, às vezes só fazemos algumas alterações. E é na hora que você pensa que hm, acho que eu gostaria de me arriscar em um cargo de liderança, e que você vai pesquisar outros exemplos de pessoas mais parecidas com você que já chegaram lá que você percebe que… são muito poucas. No texto de hoje eu queria falar um pouquinho sobre o fenômeno do Glass Ceiling, um teto de vidro todo nosso, das mulheres e outras minorias que aspiram cargos mais altos na hierarquia mas que vão precisar fazer uma força extra para chegar lá.
Prefácio
Eu queria ter escrito esse post “temático” em Março, no mês das mulheres, mas a vida aconteceu. Meu blog ficou pra trás e o texto só vai sair agora. Mas tá tudo bem. Infelizmente, esse é um tema que é relevante o ano todo, visto que nós, mulheres, não existimos somente em Março. E muito menos merecemos ter nossos problemas visualizados somente em um mês do calendário. Além disso, o show precisa continuar e precisamos continuar subindo.
A escolha desse tópico se deu justamente pelo que eu mencionei na introdução: tenho pensado muito em assumir um cargo de liderança, e para isso tenho buscado bastante sobre conteúdos relacionados à isso. Não somente as coisas positivas e o que eu tenho que melhorar, mas também os possíveis desafios. E esse está presente demais no mundo todo, principalmente em indústrias dominadas por homens, como a de tecnologia.
Com esse post, eu não pretendo desmotivar ninguém, juro. Se você ficar com raiva, use-a como trampolim para te impulsionar e destruir o possível teto de vidro que existe acima de você. É assim que eu pretendo encarar as coisas: entendendo o problema e indo pra cima dele que nem um trator. Então, vamos juntas?
O que é esse tal de Glass Ceiling?
Glass Ceiling tem esse nome porque é uma barreira invisível e não oficial. Ou seja: parece feita de vidro, você só percebe que ela está lá quando bate nela. Ela impede que mulheres avancem em suas carreiras, especialmente para posições de liderança e altos cargos executivos, mesmo elas alcançando níveis mais altos de formação e desempenhando papéis fundamentais no mercado de trabalho. Por exemplo: mesmo com a pandemia as empurrando para fora do trabalho formal, as mulheres ainda correspondiam a um total de 56,8% da força de trabalho, segundo o Department of Labor dos Estados Unidos.
Se essa barreira não está relacionada à falta de talento das mulheres, às nossas habilidades ou à nossa ambição, o que nos impede de chegar ao topo? Existem muitos fatores em jogo, mas um dos principais é o viés inconsciente: um conceito que se refere sobre as percepções e estereótipos implícitos que influenciam a forma como as pessoas avaliam e tomam decisões sobre os outros.
De acordo com Rosalind M. Chow, professora de Organizational Behavior and Theory na Carnegie Mellon University, homens tendem a reconhecer o desempenho de outros homens, enquanto as mulheres têm a mesma tendência ao avaliar outras mulheres. Porém, quando um grupo de homens avalia o desempenho de uma mulher, eles são menos propensos a reconhecer seus méritos ou vê-la como uma “aposta segura” para um cargo mais alto. Ora, se a maioria dos cargos altos estão preenchidos por homens… o quão difícil é para uma mulher quebrar esse teto de vidro?
The Antecedent of the Glass Ceiling: para além do viés inconsciente
Em 2009, um estudo foi conduzido para entender o fenômeno do Glass Ceiling e, a partir dele, o modelo The Antecedent of the Glass Ceiling, de Elacqua et al., foi criado. Nele, os autores sugerem que há dois tipos de fatores que interferem na chegada das mulheres aos cargos mais altos de uma empresa, além do já falado viés inconsciente. Estes são divididos em duas categorias: interpessoais e situacionais.
Fatores interpessoais
De acordo com os autores, as relações interpessoais podem influenciar como as mulheres e homens são tratados de forma diferentes dentro de uma empresa. Através do estudo, examinaram alguns fatores e chegaram à algumas conclusões:
a) A pesquisa demonstrou que a falta de mentores, sobretudo por parte daqueles que estão em uma alta posição dentro da organização, é especialmente prejudicial para a progressão de carreira das mulheres. Afinal, o processo de mentoria é uma importante fonte de informações: aqueles que foram mentorados e supervisionados não se sentiram excluídos de informações importantes e oportunidades.
b) Também foi comprovado a existência de uma rede de contatos entre os homens mais seniores da empresa, onde havia uma constante troca de informações estratégicas sobre novas posições, projetos e decisões. Dentro dessa rede de troca de informações, as mulheres muitas vezes não são tratadas da mesma maneira que os homens por diversos motivos. Por exemplo, na maioria das vezes, as mulheres estão em posições com menos visibilidade, limitando suas oportunidades e reduzindo suas chances de promoção.
c) Infelizmente, também existe uma dificuldade adicional: algumas mulheres, ao chegar ao topo de sua carreira, começam a sofrer da Síndrome de Abelha-Rainha¹. Ou seja, acreditam que o fato de terem alcançado o reconhecimento pretendido se deve única e exclusivamente ao seu trabalho duro, e que não lhe foi necessário derrubar barreiras de preconceito e vieses.
Fatores situacionais
Baseados em outras pesquisas, o estudo de Elacqua et al. também apresenta fatores situacionais que influenciam na percepção de um tratamento diferente entre homens e mulheres dentro do ambiente de trabalho. Algumas das pesquisas citadas e suas conclusões foram as seguintes:
a) Lyness e Heilman, em um estudo de 2006, mostraram que os critérios de promoção de líderes mulheres são mais severos e mais relacionados à performance no trabalho em comparação às suas contrapartes masculinas. Além disso, os resultados indicam que esses critérios são aplicados de forma desproporcional, criando um obstáculo adicional para a progressão de carreira das mulheres.
b) Diversos estudos, em 2002, 2008 e 2011, chegaram a uma conclusão semelhante: líderes sênior, a maioria homens, definem uma cultura “masculina” nas suas posições que exclui e marginaliza mulheres. Essa cultura vai definir valores, estereótipos, comportamentos e visões de gerenciamento e liderança que eles consideram corretas, associadas à sua visão de mundo enviesada. Dessa forma, a imagem de um líder é comumente associada com qualidades “masculinas”, como autoridade, independência, competitividade e agressividade. Enquanto isso, mulheres foram sempre associadas com qualidades diametralmente opostas, como colaborativas, boas ouvintes, sensíveis e empáticas. Esses estereótipos de gênero acabam tendo um impacto adverso em suas avaliações e julgamentos para uma possível promoção.
c) Além disso, outros dois estudos de 2008 também apontam que existem crenças que levam os superiores a não considerarem mulheres para promoções a cargos de liderança. Uma dessas é a de que os papéis de mãe, esposa e líder não são compatíveis entre si, visto que pode ser um cargo que envolve investimento, flexibilidade e viagens, a depender da empresa.
Consequências da percepção do Glass Ceiling
O estudo de Babic e Hansez, da Universidade de Liege, também aborda a consequência da percepção do Glass Ceiling. Afinal de contas, qual é o impacto disso para as mulheres?
A percepção do Glass Ceiling em uma empresa leva as mulheres a buscarem menos acesso a recursos no trabalho. Por exemplo: informações, conselhos, mentorias, oportunidades de desenvolver conhecimento, feedbacks e promoções. Afinal, de que adianta se esforçar se a possibilidade de recompensa é menor que a dos colegas do sexo masculino?
Essa percepção dessa barreira invisível também enfraquece características pessoais das mulheres, como a autoestima e o otimismo. E também minar suas energias, como conhecimento que pode ser aplicado à determinadas situações, por exemplo.
Também é mencionado em um estudo de 2014 que mulheres internalizam avaliações negativas e estereótipos ao ponto de começarem a se limitar e negarem oportunidades de crescimento pelo medo de não serem bem sucedidas.
Por fim, essa espiral toda contribui para uma diminuição da saúde mental das mulheres, bem como também da sua saúde física. E essas consequências negativas afetam tanto seu desempenho no trabalho quanto sua vida pessoal, aumentando a percepção de um conflito entre o trabalho e as responsabilidades familiares.
O que eu posso fazer sobre isso?
Esse não é o tipo de obstáculo que pode ser resolvido de uma hora para a outra, infelizmente. Porém, existem algumas atitudes, tanto a nível individual quanto organizacional, que podem ser tomadas para acabar com o Teto de Vidro que separa tantas mulheres das posições de liderança.
Individualmente
- Mulheres: apoiem outras mulheres no ambiente de trabalho! Já faz uma diferença enorme se nós nos apoiarmos, seja no dia-a-dia ou em momentos chave.
- Além disso, há que se reconhecer que o trabalho de acabar com o Glass Ceiling não é exclusivamente feminino. Portanto, é muito importante que os homens também estejam dispostos a intervirem, falar em nosso nome e advogar pelo avanço das mulheres dentro dos ambientes de trabalho. Também é muito importante que os homens estudem e estejam atentos aos vieses inconscientes que possam estar presentes em suas atitudes.
A nível organizacional
- É de suma importância que as mulheres de uma empresa se sintam empoderadas, tanto individualmente quanto coletivamente, para perguntar sobre as políticas de inclusão de gênero de suas organizações. Ou também perguntar sobre como está a proporção entre homens e mulheres em determinados cargos e/ou setores.
- Além disso, o acesso à informação é fundamental. É necessário que as mulheres saibam quais oportunidades de liderança estão abertas. Somente assim elas podem tomar decisões bem informadas se uma nova posição pode ser atingível ou não. E é indispensável que a empresa seja transparente em relação à essas informações.
- Mesmo sabendo que a questão do Glass Ceiling não é sobre a falta de habilidades ou ambição das mulheres, é crucial que as companhias as encorajem a expandir cada vez mais suas competências e aptidões rumo a um cargo de liderança, através de oportunidades de treinamentos e mentorias, bem como as incentivarem a participar dos processos seletivos existentes dentro da corporação.
- Ainda assim, também é preciso que, tanto em um nível organizacional quanto ao nível das lideranças, as escolhas de vida dos funcionários, especialmente das mulheres, sejam respeitadas e apoiadas.
Como anda a situação na indústria de tecnologia?
De acordo com o artigo da Strike.sh, há algum tempo, a proporção de mulheres em idade universitária interessadas em faculdades de computação era quase igual a dos homens. E, de fato, esse já foi um campo dominado pelas mulheres, especialmente durante os tempos de guerra: enquanto os homens estavam nos campos de batalha combatendo, as mulheres estavam trabalhando nos computadores e fazendo cálculos estratégicos e operacionais.
Porém, mesmo com o interesse para ingressarem nos cursos existindo, somente 37,1% dos formandos em cursos de computação eram mulheres, contra 62,9% de homens. Em 2010, a proporção de mulheres matriculadas em cursos de Ciência da Computação e Tecnologia da Informação era de 17,6%.
De acordo com um relatório do National Center for Women & Information Technology, as mulheres representam 25% da força de trabalho na indústria de tecnologia. E essa lacuna é ainda maior no nível executivo, onde as mulheres têm somente 11% das posições de liderança.
Números e proporções
De acordo com um relatório de 2021, “Women in Tech Report”, a pandemia complicou muito a vida profissional de muitas mulheres, impedindo-as de alcançar seu potencial pleno. Afinal de contas, a carga extra de tarefas domésticas dificultou o seu trabalho remoto. Com isso, foi relatado que 57% das mulheres sofreram com burnout, contra 36% dos homens. Como consequência, a Covid-19 fez com que elas perdessem os empregos duas vezes mais rápido que suas contrapartes masculinas.
Alguns estudos mostram que 72% das mulheres são superadas pelos homens na proporção de 2 para 1 em reuniões de negócios, ilustrando bem a prevalência do gênero masculino nesse setor. 26% delas reportam que a proporção de homens para mulheres é de 5 para 1.
Quando olhamos para o ciclo de carreira como um todo, vemos que as mulheres ocupam 48% dos cargos de nível inicial e 41% dos cargos de gerente de primeiro nível. Ou seja: a diversidade de gênero é basicamente investida toda na base da pirâmide, enquanto o topo segue sendo ocupado pelos homens.
Respira fundo… e volta pro ringue!
Como eu disse lá no princípio: eu não quero desmotivar ninguém com esse post. Mas acho importante saber como as coisas se desenvolvem dentro do ambiente corporativo para que possamos ter ideia de onde estamos pisando e para que possamos escolher bem quais armas vamos utilizar para chegar onde queremos.
Desejo a qualquer mulher muita força e garra para chegar onde quer que você deseje! E aos homens que estão me lendo: que você possa ser um aliado na nossa causa. Não nos falta ambição, nem habilidades. Só precisamos quebrar algumas visões ultrapassadas. Topa ajudar a gente nessa?
¹ Tradução livre.
✔ Links consultados
- Artigo: The Glass Ceiling for Women Managers: Antecedents and Consequences for Work-Family Interface and Well-Being at Work, de Audrey Babic e Isabelle Hansez
- Artigo: The Glass Ceiling: Definition, History, Effects, and Examples, de Julia Kagan
- Artigo: Glass Cliff: Definition, Research, Examples, Vs. Glass Ceiling, de Julia Kagan
- Artigo: Understanding what the glass ceiling is and how it affects women in the workplace, de Melanie Lockert
- Artigo: How women in tech can break through the leadership glass ceiling, de Jane Sun
- Artigo: Breaking the glass ceiling: How women are tackling tech’s gender gap, de Laura Clay
Último acesso em: 13 de abril de 2023
- Artigo: Women in the tech industry: How can they break the glass ceiling?, por Strike.sh
Último acesso em: 27 de junho de 2023
⚜ Para saber mais
- [PODCAST] Mamilos #196 – Maternidade & Carreira
- [PODCAST] Minissérie Algoritmo G
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Ja presenciei situações aqui no exterior onde alguns homens que se sentiam em meio a pessoas de sua confiança viu oportunidades para compartilhar todo o preconceito dele com mulheres.. o cara simplesmente não queria ver mulheres liderando ele e tratava mal e criticava pelas costas todas suas atitudes. Em uma das minhas retrucadas (foram varias ate ele desistir de falar disso) ele me taxou como fraco e castrado. Existe uma cultura muito idiota do macho-man e que só fui presenciar estando aqui fora. Posso estar enganado mas esses casos tendem a ser mais comuns aqui fora (a gente no Brasil tem falado disso a mais tempo? Não sei).. e eu sou minoria então minha voz também se perde em meio a tanto homem branco cis da área. Acredito que apenas o tempo e muita insistência de todas as partes não só da mulheres podem formar novos adultos para que esse quadro mude em um futuro não tão distante. As escolas tem que continuar empoderando o discurso das mulheres e mostrar para as meninas que sociedade se faz na igualdade de gênero e tantas outras minorias. Impedir que o conservadorismo continue propagando seu discurso e priorizar politicas progressistas.
É issooo! Obrigada por estar do nosso lado <3
E sim, também concordo que no Brasil temos falado mais disso que nos outros países, e não só na questão das mulheres, mas em outros recortes também (de sexualidade e de raça, por exemplo). Nosso Brasilzão pode ter muitos defeitos, mas a conversa lá está MUITO adiantada perto do que eu vejo aqui em Portugal e na Europa como um todo, mesmo com todo o conservadorismo que paira ao redor.