Posted on janeiro 18, 2021
Quando foi que descansar ficou difícil?
Antes de mais nada, começo dizendo que eu comecei a escrever esse post no dia 23 de Dezembro de 2020 porém só consegui terminar agora. 😅 Essa é uma reflexão que eu fiz na virada de ano, quando geralmente gastamos um tempinho para pensar em como foi a vida nos últimos 365 dias e o que queremos para os próximos. Como já diria o poeta Emicida: pra nóiz perder não é opção, certo? e essa é uma das razões pela qual eu me recuso a parar. Ou seja, estou sempre estudando, sempre buscando ser melhor do que ontem para estar preparada para a próxima oportunidade. Dessa forma, às vezes o descanso fica pra depois. Sempre para depois. E quando ele devia acontecer… não é exatamente como devia. Em suma: em que ponto a gente se perdeu? Quando foi que descansar ficou tão difícil?
O contexto
De antemão, não preciso dizer o quanto 2020 foi um ano difícil. Apesar de eu, pessoalmente, ter tido inúmeros sucessos durante ele (que já contei no post de retrospectiva), esse ano foi pesado, cansativo e eu me sinto exausta só de respirar durante esses dias enevoados por uma pandemia – mesmo tendo total e completa ciência de que respirar, nesse contexto, é quase um privilégio.
Nesse ano houve muita terapia para entender os diversos problemas e injustiças que me cercaram, bem como houve um tanto de choro, tanto por frustração quanto por felicidade, e houve muita ansiedade. E tudo isso me cansa muito fisicamente, não só psicologicamente. Nesse sentido, imagine que seu corpo tem ali uma determinada quantidade de energia para gastar nas suas tarefas cotidianas – trabalhar, cozinhar, conversar, rir, chorar, etc, etc. E essa energia já está devidamente reservada tanto para o trabalho corporal quanto para o trabalho mental – afinal de contas, quando você vai cozinhar, por exemplo, não é somente misturar tudo numa panela, certo? É preciso verificar se há os ingredientes, porcioná-los, pensar na ordem dos processos, etc.
Só de pensar tudo isso já parece difícil né? Pois é.
Agora imagine que, nesse meio tempo, seu corpo ainda vai pegar essa energia que já tinha destino e usar em pensamentos… ruins. “E se eu queimar a comida?”, “E se tiver um ovo estragado? Não tenho outros…”, “E se meu trabalho está ruim?” , “E se eu precisar refazer aquele curso?” Tudo isso esgota uma pessoa – que no caso sou eu.
2020 potencializou essas questões e essas ansiedades. E, ao mesmo tempo, em Dezembro eu decidi me embrenhar em outros eventos que também são gatilhos para isso. Ou seja: eu estou exausta. Física e mentalmente.
A situação
23 de Dezembro. Véspera da véspera de Natal. No meu caso, um dia antes de um feriadão de quatro dias merecidíssimo, em que eu só pensava em dormir até tarde, passar o resto do dia jogando videogame, aproveitar os presentes recebidos no Natal e, talvez, estudar um pouquinho — terminar um curso que eu estava na metade, reler um livro técnico que eu havia planejado, programar um pouquinho meus projetos pessoais, etc.
Contudo, no fim de semana, eu “descobri” um site chamado HackerRank, que vai pouco a pouco te apresentando problemas de algoritmos e estruturas de dados. Logo, decidi resolver alguns e achei bem divertido. Na segunda-feira, segui resolvendo mais alguns problemas, inclusive encarando alguns mais complicados. Isso tudo com a plena noção de que eu já estava cansada, mas precisava continuar. Pensava: tá tudo bem, não é como se eu estivesse trabalhando, é só um brincadeira. Acontece que: nosso cérebro não sabe que é uma brincadeira. Ele segue funcionando da mesma forma; não entende que, passado das 18h, é hobby. Para ele, segue sendo trabalho.
Pois bem, terça-feira. Eu estava exausta E ansiosa. Tinha um compromisso que era a razão desse sentimento sinistro. Mas não me importei e segui resolvendo uns exercícios do HackerRank. Porém, chegou um momento que eu percebi que… estava gastando muita “capacidade de processamento” nisso, sendo que eu sabia que ela poderia me faltar mais tarde. E aí eu pensei: hm, acho que vou descansar um pouco. E em vez de, sei lá, ir ver um vídeo no YouTube, palhetar umas músicas na guitarra sem compromisso, jogar videogame ou ficar sentada olhando para o nada… eu fui mexer em um projetinho de frontend.
Eu devia estar descansando e fui programar. PRA QUÊ?
A questão
Vivemos em uma sociedade capitalista em que tempo é dinheiro, e cada dia mais estar “parado” é ficar um pouco mais para trás. Cada respiração dada em um contexto de “improdutividade” significa menos dinheiro, e consequentemente fracasso.
Se você tem uma conta no LinkedIn, você sabe do que estou falando. É uma enxurrada de posts de pessoas dizendo o quanto têm estudado no tempo livre, comparando os quadradinhos verdinhos dos GitHubs, entoando mantras como “estude enquanto eles dormem, trabalhe enquanto eles descansam”… É exaustivo, é humanamente impossível.
Não sou fã do cara, mas vi uma frase do Cristiano Ronaldo em um aplicativo que dizia: “O equilíbrio entre treinamento e descanso é o que me ajuda a render ao máximo“. E é isso: há vários e vários estudos por aí mostrando a importância do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, provando por A + B que trabalhar menos horas por dia faz com que se trabalhe melhor… por que ainda insistimos em nos sobrecarregar?
Além disso, uma outra reflexão que eu gostaria de deixar é: mesmo que descansemos, ainda estamos atados à essa lógica da produtividade. Ou você nunca maratonou uma série para ir logo para a próxima? Nunca se colocou como meta “ler mais”? Ouvir todos os episódios de um determinado podcast? Tudo isso registrando o progresso em aplicativos, que também mostram qual são as métricas dos seus amigos, nas quais você pode, mais uma vez, se comparar com alguém e ver que seu “rendimento” está aquém do que deveria…
Nosso descanso, além da produtividade, também absorveu a lógica do consumo. Precisamos estar sempre consumindo mais: a nova série, o novo livro, os filmes… Senão ficamos atrasados, tomamos spoilers, não participamos ativamente das conversas com as outras pessoas. É inacreditável como que descansar, desligar-se, parar, pausar fica cada dia mais difícil, à cada dia requer mais esforço. Deveria ser simples, ser intuitivo… mas acho que há muito nossa intuição foi embora em relação à isso.
Fomos, com sucesso, reprogramados para uma nova lógica. Nos resta hackeá-la em prol de uma maior durabilidade do hardware que chamamos de corpo e mente.
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Parabéns pelo excelente texto, Olívia! Uma reflexão super necessária.
Obrigadaaaa! <3